Nova geração tenta recolocar o Rio na elite do surfe mundial

Apesar de grande fase do país no esporte, circuito estadual não é realizado há dois anos

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Lucas Silveira pega onda na Praia da Barra – Barbara Lopes / Agência O Globo

RIO – Enquanto o Brasil vive sua melhor fase na história do surfe, com dois títulos seguidos, em 2014 e 2015, graças a Gabriel Medina e Adriano de Souza (o Mineirinho), respectivamente, o Rio de Janeiro, palco da etapa brasileira do circuito mundial, não conta com um atleta de ponta. Pelo segundo ano consecutivo, não há surfistas da federação carioca na disputa do WSL (World Surf League). Apesar da falta de incentivos e patrocínio — o que justifica a não realização do campeonato estadual profissional nos dois últimos anos —, talentos vêm emergindo e conquistando bons resultados. E a região de Barra e Recreio contribui com atletas promissores: em janeiro, Lucas Silveira, de 20 anos, referência da nova geração carioca, sagrou-se campeão do Mundial Pro Júnior. Já no longboard as esperanças estão concentradas em Chloé Calmon, de 21 anos, atual terceira do mundo e vice-campeã do Noosa Festival of Surfing, na Austália, há dez dias. Enquanto isso, João Vitor Chumbinho, de 15 anos, começa a destacar.

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Melhor jovem do mundo. Lucas Silveira venceu, em janeiro, o Mundial Pro Junior em Ericeira, Portugal – Barbara Lopes / Agência O Globo

Já gabaritados a disputar etapas internacionais ao redor do mundo, Silveira e Chloé não participam mais de campeonatos estaduais, embora ressaltem a importância que as competições organizadas pela Federação de Surfe do Estado do Rio de Janeiro (Feserj) tiveram para sua formação. Etapas amadoras continuam existindo, mas o panorama atual faz com que surfistas deixem o Rio, o que tem impacto nos resultados: o último campeão brasileiro carioca foi Gustavo Fernandes, em 2008.

Presidente da Feserj e pai de Gustavo, Abilio Fernandes vem se empenhando para trazer o estadual de volta. O maior empecilho, diz, é a falta de patrocínio. A dificuldade pode ser vista como um paradoxo, já que o surfe brasileiro, devido ao seu sucesso recente, conta com aumento exponencial de público. Durante a etapa da WSL do Rio no ano passado, por exemplo, mais de cem mil pessoas passaram pelo local de competição, na Barra, um recorde de público. A explicação para a fuga de investidores, porém, estaria na conjuntura de crise econômica.

— Depois do título do Medina, tivemos manifestação de interesse de diversas empresas.

Estávamos com quase tudo certo para a realização do estadual, mas, com o estouro da Lava-Jato e o aumento da crise, os investimentos não vieram. Antes contávamos também com apoio do governo estadual ou da prefeitura, mas não temos mais conseguido isso — lamenta Fernandes, que afirma serem necessários ao menos R$ 100 mil para realizar a competição. —

Só de premiação pagamos R$ 30 mil por etapa, e normalmente fazemos três. Fora arbitragem e estrutura.

Apesar disso, Fernandes está otimista para 2016. No calendário da federação, já estão previstas as três etapas do circuito profissional, sendo a primeira em abril, em Búzios; a segunda, em maio, no Rio; e a última, em junho, em Macaé. Sua concretização, porém, depende da confirmação do patrocínio.

— Acho que este ano vamos conseguir — prevê.

Lucas Silveira começou a surfar aos 8 anos, perto de sua casa, na Barra, por influência dos irmãos mais velhos. Um ano depois, disputava torneios pequenos, e, aos 11, venceu o Carioca amador de sua categoria. Durante a adolescência, mudou-se com os pais para Florianópolis, mas sempre foi atleta da Federação do Rio. Mesmo assim, costumava disputar o estadual de São Paulo, onde, afirma, o nível dos atletas é melhor.

— O circuito paulista é muito bom, e eles reservam vagas para atletas de outros lugares do

Brasil — conta Silveira, que tenta encontrar outras explicações para o Rio ficar atrás, além da falta de investimentos. — Acho que, por ser uma cidade maior, é mais fácil os jovens se desconcentrarem. Em São Paulo, os talentos vêm de lugares menores, como Maresias, Santos e Guarujá.

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Título. O jovem foi premiado na noite de gala da WSL – Reprodução

Apesar de hoje se dividir entre Santa Catarina e sua casa na Barra, Silveira se define como um nômade, já que passa a maior parte do tempo pegando ondas mundo afora. As viagens foram fundamentais para seu desenvolvimento no esporte, diz. Este ano, ele está disputando o WQS (segunda divisão do mundial de surfe) pela quarta vez na carreira, a terceira “à vera”, como diz. Em 2014, ele ganhou seu primeiro prêmio de renome internacional, como o melhor estreante da Tríplice Coroa Havaiana, mesmo disputando apenas duas das três famosas etapas. Mas o grande título, até agora, veio em janeiro, com o Mundial Pro Júnior, disputado em Ericeira, Portugal. Com este currículo, a expectativa é que, em breve, ele integre a elite mundial. O último atleta do Rio a participar da WSL, na época ainda chamado de WCT, foi Raoni Monteiro, em 2014.

No WQS deste ano já foram disputadas cinco etapas, e sua melhor posição, por enquanto, foi um terceiro lugar. Sem esconder a inspiração na Brazilian storm, como foi batizada a geração atual do surfe brasileiro, Lucas Silveira prevê boas ondas em 2016.

— Esta leva de surfistas é uma motivação a mais. O nível está aumentando, com mais aéreos, ondas grandes. A modalidade vem evoluindo, e eu penso que posso ir bem também — afirma o jovem surfista, muito amigo de Mineirinho, o atual campeão mundial. — Temos o mesmo técnico, o Leandro Dora, e nos aproximamos muito no ano passado. Eu me inspiro muito nele.

DESTAQUES NO FEMININO

Se Lucas Silveira já é um talento reconhecido, uma geração mais jovem do Rio se prepara para colher bons frutos no futuro. Abilio Fernandes e o próprio Silveira destacam nomes como Daniel Templar, Victor Ferreira e João Vitor Chumbinho, que ganhou o Pena Little Monster, circuito nacional Pro Júnior, no fim de 2015.

Chumbinho, de 15 anos, começou a surfar aos 3 anos e diz que sente diferença de estrutura quando viaja para competir.

— Dá para perceber a discrepância quando você chega a uma cidade que tem até cinco

surfistas locais de ótimo nível. Acho que precisamos de mais incentivo de patrocinadores e de uma estrutura melhor. Sei que não é fácil, mas é preciso tentar evoluir — afirma o jovem, que se divide entre o Recreio e Saquarema.

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João Vitor Chumbinho pega tubo – Divulgação / Ricardo Atoe

Se o talento existe no masculino, na categoria feminina não é diferente. Aos 21 anos, Chloé Calmon já é uma das melhores do mundo no longboard. Nos dois últimos anos, a moradora do Recreio foi a terceira colocada no Mundial, que é disputado em somente uma etapa, na China.

Há dez dias, ela conquistou um importante resultado, sendo a primeira finalista brasileira do Noosa Festival, na Austrália. A expectativa é grande para este ano.

— Estou bem animada e focada para treinar bastante. No long é mais complicado vencer,

porque a etapa da China, sozinha, define o título mundial; então, qualquer deslize pode acabar com seu ano. Vou disputar vários campeonatos para ganhar ritmo e chegar lá pronta para dar o meu melhor — promete Chloé, que, como Silveira, celebra o momento do surfe brasileiro.

— Eu cheguei à Austrália e logo fui reconhecida. As pessoas sabem quem são todos os surfistas brasileiros e as cidades com as melhores ondas. Somos uma nova potência.

Mesmo com o momento positivo do surfe nacional, ela revela preocupação com a situação do Rio. Chloé começou a competir aos 11 anos, e diz que os campeonatos estaduais foram fundamentais para sua formação, numa época em que o torneio carioca era um dos melhores do país:

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Atual terceira do mundo. Na foto, Chloé Calmon, referência no longboard, surfando na Praia da Macumba, um dos seus pontos preferidos – Divulgação / Felipe Ditadi

— Os circuitos de longboard tinham seis, sete etapas por ano. O Rio se destacava por ter um calendário extenso, e isso me ajudou muito; ganhei experiência de competição no quintal de casa. Hoje, infelizmente, não é mais assim. Precisamos voltar a realizar torneios. Não precisam ser grandes, de nível mundial. Mas os surfistas locais carecem de campeonatos para mostrar seu potencial. O Rio tem ondas de todos os tipos e bons valores em todas as categorias. Tem tudo para ser muito melhor do que já é. Se houvesse mais incentivo, termos mais atletas cariocas de ponta seria uma questão de tempo.

POSTINHO E GRUMARI

Em maio, o Rio de Janeiro volta a receber a etapa brasileira do Mundial de Surfe. Depois da polêmica envolvendo a qualidade da água da Praia da Barra, no ano passado, ficou definido que o torneio de 2016 terá duas sedes: o Postinho, no início da Barra, mantém-se como a principal; e Grumari, que estreia como palco da competição, será uma alternativa. Abilio Fernandes, presidente da Feserj, explica que o critério mais importante para a escolha do local de disputa será a balneabilidade no dia da prova.

Outra novidade para este ano, segundo Fernandes, será a realização de uma triagem para a definição do atleta convidado da etapa, que costumava ser o campeão brasileiro. A mudança ocorreu por reivindicação dos próprios surfistas.

— Na minha opinião particular, este é um evento internacional no Brasil, e o campeão brasileiro deveria ser prestigiado. Mas os protagonistas são os atletas, e acatamos a decisão deles. A triagem será feita com 16 surfistas, em Grumari, um dia antes da etapa, com o campeão brasileiro, o campeão carioca (de 2013, último ano de realização da disputa), os seis primeiros do ranking carioca, os quatro líderes do ranking nacional e os dois melhores cariocas do WQS, além de um indicado de cada associação local (um da Barra e um de Grumari).

Lucas Silveira, que participará da triagem, espera estar entre os surfistas da etapa. Ele lamenta, porém, que a melhor onda da cidade, segundo a maioria dos surfistas, não esteja apta a receber o evento.

— Para mim, São Conrado é onde estão as melhores ondas. Pena que o mar lá seja podre — afirma.